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Por Roberto
Paulino de Albuquerque Júnior
Nos estertores do ano de 2016,
foi publicada a Medida Provisória 759, que trata sobre “regularização
fundiária rural e urbana, sobre a liquidação de créditos concedidos aos
assentados da reforma agrária e sobre a regularização fundiária no âmbito da
Amazônia Legal, institui mecanismos para aprimorar a eficiência dos
procedimentos de alienação de imóveis da União, e dá outras providências”.
O que mais salta aos olhos na MP
é a previsão do chamado direito de laje, por ela inserido como direito real no
artigo 1225 do Código Civil brasileiro[1].
A medida provisória ainda
acrescentou ao Código Civil o artigo 1510-A, que dá os contornos do dito
direito real de laje:
Art. 1.510-A. O direito
real de laje consiste na possibilidade de coexistência de unidades imobiliárias
autônomas de titularidades distintas situadas em uma mesma área, de maneira a
permitir que o proprietário ceda a superfície de sua construção a fim de que
terceiro edifique unidade distinta daquela originalmente construída sobre o
solo (...)[2].
O direito de laje não constitui
um direito real novo, mas uma modalidade de direito de superfície que, desde
2001, já tem previsão expressa na legislação brasileira, a superfície por
sobrelevação.
O que caracteriza o direito de superfície
e distingue o seu tipo dos demais direitos reais é a possibilidade de
constituir um direito tendo por objeto construção ou plantação, separadamente
do direito de propriedade sobre o solo.
Em sentido mais técnico, há
superfície quando se suspende os efeitos da acessão sobre uma construção ou
plantação a ser realizada ou já existente. O implante que, por força da
acessão, seria incorporado ao solo, passa a ser objeto de um direito real
autônomo, o direito real de superfície.
Vê-se que, a partir dessa
definição de direito de superfície, sequer seria necessário prever
expressamente a possibilidade de sua constituição para a construção no espaço
aéreo ou para o destacamento de pavimentos superiores já construídos. Da mesma
forma, é desnecessária a menção expressa à possibilidade de superfície
constituída sobre construções no subsolo. Se é possível construir no espaço
aéreo ou no subsolo e essas construções sofrem, de ordinário, os efeitos da
acessão, pode-se tê-las como objeto do direito real de superfície.
Do próprio tipo da superfície
deriva a possibilidade de sobrelevação, portanto.
O Estatuto da Cidade (Lei
10.257/01), no entanto, houve por bem tratar da sobrelevação expressamente e
assim deixou indiscutível a sua viabilidade:
Art. 21. O proprietário urbano
poderá conceder a outrem o direito de superfície do seu terreno, por tempo
determinado ou indeterminado, mediante escritura pública registrada no cartório
de registro de imóveis.
§ 1º O direito de superfície
abrange o direito de utilizar o solo, o subsolo ou o espaço aéreo relativo ao
terreno, na forma estabelecida no contrato respectivo, atendida a legislação
urbanística.
Na doutrina, vários autores tem
se ocupado do tema (vide, entre outros, MAZZEI, Rodrigo. Direito de
superfície. Salvador: Juspodium, 2013; VIEGAS DE LIMA, Frederico Henrique. O
direito de superfície como instrumento de planificação urbana. Rio de
Janeiro: Renovar, 2005; PERCÍLIO, Renata. Negócio jurídico de sobrelevação
em direito de superfície. Dissertação de mestrado em andamento, orientador
prof. dr. Roberto Paulino, UFPE).
Além disso, o Enunciado 568, da
VI Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal, concorda com a
possibilidade de constituição de superfície por sobrelevação no Direito
brasileiro[3].
Trata-se, portanto, de uma figura
já abarcada pelo tipo do direito de superfície e já utilizada.
Sequer a terminologia “direito de
laje” pode-se dizer que tenha sido criada pela medida provisória. Já há alguns
anos que se fala em direito de laje como uma expressão popular para a
construção de novos pavimentos sem formalização do direito de superfície, algo
comum em todas as regiões do país (entre outros, TEPEDINO, Gustavo. Os direitos
reais no novo Código Civil. In Temas de Direito Civil. Rio de Janeiro:
Renovar, tomo II, 2006).
Em termos de redação, além disso,
a MP merece crítica contundente, e já se erguem vozes a empreender tal crítica,
como na coluna "Direito Civil Atual", publicada na semana anterior,
com texto de autoria do professor doutor Otavio Luiz Rodrigues Junior (Um ano longo demais e seus impactos no
direito civil contemporâneo).
Da regulamentação da sobrelevação
sob o nome de direito de laje, dois pontos parecem ser mais relevantes: (a) a
abertura de matrícula registral autônoma, um ponto delicado do direito de
superfície no Brasil (artigo 1510-A, parágrafo 5º); a permissão de
constituição do direito de laje sem submissão ao regime do condomínio edilício
(artigo 1510-A, parágrafo 6º).
Tratam-se de regras úteis e
importantes, que, no entanto, não parecem justificar a açodada opção do
legislador de adotar a nomenclatura direito de laje e dar-lhe autonomia em
relação ao direito de superfície.
Se o que se queria era ressaltar
a possibilidade do direito de superfície por sobrelevação, bastava para tanto
inserir um artigo no título V do livro do direito das coisas. Para acrescentar
à disciplina do direito de superfície a possibilidade de abertura de matrícula
separada para a propriedade superficiária e a desnecessidade de atribuição de
fração ideal do terreno, outros dois artigos bastariam.
Não há sentido em inscrever como
direito real autônomo no Código Civil uma modalidade de um direito real já
previsto, muito menos em utilizar-se terminologia menos técnica quando já se
dispõe de uma mais adequada em utilização. A finalidade que o legislador buscou
alcançar não está clara, assim como clara não está a urgência que justificaria
regular a matéria por medida provisória.
Da forma como está posto o texto,
o que se tem é: (a) a positivação de um direito real novo cujo objeto já estava
inserido em um direito real preexistente; (b) o abandono de uma expressão
consagrada e precisa por outra de uso informal; (c) o problema topológico de se
estabelecer a abertura de matrícula e a dispensa de atribuição de fração ideal
apenas para a superfície por sobrelevação ou direito de laje, quando as regras
deveriam se aplicar a todo e qualquer direito de superfície.
Trata-se, portanto, de uma
alteração pouco feliz na regulamentação do direito de superfície, merecedora de
reflexão e crítica por parte da doutrina, bem como de oportuna reforma.
*Esta coluna é produzida pelos
membros e convidados da Rede de Pesquisa de Direito Civil
Contemporâneo (USP, Humboldt-Berlim,
Coimbra, Lisboa, Porto, Girona, UFMG, UFPR, UFRGS, UFSC, UFPE, UFF, UFC, UFBA e
UFMT).
[1] “Art. 1.225. São direitos reais: (...) XIII - a laje.”
[2] Art. 1.510-A. O direito real de laje consiste na possibilidade de coexistência de unidades imobiliárias autônomas de titularidades distintas situadas em uma mesma área, de maneira a permitir que o proprietário ceda a superfície de sua construção a fim de que terceiro edifique unidade distinta daquela originalmente construída sobre o solo. (...)
§ 1º O direito real de laje somente se aplica quando se constatar
a impossibilidade de individualização de lotes, a sobreposição ou a
solidariedade de edificações ou terrenos.
§ 2º O direito real de laje contempla o espaço aéreo ou o subsolo
de terrenos públicos ou privados, tomados em projeção vertical, como unidade
imobiliária autônoma, não contemplando as demais áreas edificadas ou não
pertencentes ao proprietário do imóvel original.
§ 3º Consideram-se unidades imobiliárias autônomas aquelas que
possuam isolamento funcional e acesso independente, qualquer que seja o seu
uso, devendo ser aberta matrícula própria para cada uma das referidas unidades.
§ 4º O titular do direito real de laje responderá pelos encargos e
tributos que incidirem sobre a sua unidade.
§ 5º As unidades autônomas constituídas em matrícula própria
poderão ser alienadas e gravadas livremente por seus titulares, não podendo o
adquirente instituir sobrelevações sucessivas, observadas as posturas previstas
em legislação local.
§ 6º A instituição do direito real de laje não implica atribuição
de fração ideal de terreno ao beneficiário ou participação proporcional em
áreas já edificadas.
§ 7º O disposto neste artigo não se aplica às edificações ou aos
conjuntos de edificações, de um ou mais pavimentos, construídos sob a forma de
unidades isoladas entre si, destinadas a fins residenciais ou não, nos termos
deste Código Civil e da legislação específica de condomínios.
§ 8º Os Municípios e o Distrito Federal poderão dispor sobre
posturas edilícias e urbanísticas associadas ao direito real de laje.
[3] VI Jornada de Direito Civil - Enunciado 568. O direito de superfície abrange o direito de utilizar o solo, o subsolo ou o espaço aéreo relativo ao terreno, na forma estabelecida no contrato, admitindo-se o direito de sobrelevação, atendida a legislação urbanística.
[2] Art. 1.510-A. O direito real de laje consiste na possibilidade de coexistência de unidades imobiliárias autônomas de titularidades distintas situadas em uma mesma área, de maneira a permitir que o proprietário ceda a superfície de sua construção a fim de que terceiro edifique unidade distinta daquela originalmente construída sobre o solo. (...)
§ 1
§ 2
§ 3
§ 4
§ 5
§ 6
§ 7
§ 8
[3] VI Jornada de Direito Civil - Enunciado 568. O direito de superfície abrange o direito de utilizar o solo, o subsolo ou o espaço aéreo relativo ao terreno, na forma estabelecida no contrato, admitindo-se o direito de sobrelevação, atendida a legislação urbanística.
Roberto Paulino de Albuquerque
Júnior é doutor em Direito pela UFPE, professor adjunto da Faculdade de
Direito do Recife (UFPE) e tabelião de notas.